10 de julho de 2018
Suas canções brotam do improvável lugar, da paisagem em preto e branco da Caatinga nordestina, repleta de tons de cinza, contrastantes, apenas, com o brilho da voz pungente e possante desse “caboclo sonhador”. Caatinga tingida de sombras que, paradoxalmente, abrigam suas cantigas caleidoscópicas pelo colorido das notas melodiosas, debulhadas pelos dedos nos baixos e teclas, a nos lembrar das mulheres sertanejas debulhando feijão de corda, dada a naturalidade do cultivo da horta rítmica e a fértil alegria da safra harmoniosa.
Artesão do forró, seu território é o roçado queimado, terra tostada de tanto girar-Sol; seu território musical tem suas raízes fincadas naquele pé de serra de Exu – terra do Rei. Lá, aonde só se pode chegar sem automóvel, olhando o orvalho, ouvindo o canto do galo, caminhando pela “Estrada de Canindé”. Lá mesmo, naquele pé de serra, onde morava o seu “Januário Véi” está submerso o seu umbigo musical.
Sua sanfona é moderna, tem cento e vinte baixos, mas aprendeu desde sempre a respeitar os oito do pai de Luiz, e – precisamente por venerar essa raiz regional – pôde expandir os seus galhos coloridos sobre a floresta universal, atingido os nossos sentidos, numa lúdica profusão de “Espumas ao Vento”… E não é coisa de momento, mania que dá e passa… Não, o Flávio José é atemporal! Há uma lágrima na sua voz monumental que enternece nossos áridos corações. A cadência malemolente do seu autêntico forró prende nossos corpos a um balançado frenético e, por assim dizer, irresistível.
Tal como o José, de Drummond, o Flávio é um cosmopolita, como o são todos os grandes mestres, que com simplicidade e sofisticação devotam seu olhar às miudezas do próprio quintal. Sua música agrada a todas as classes e perfis; sim, ele aprendeu com o “Velho Lua” e com o Dominguinhos a alquimia da canção e, destes é a mais viva expressão, levando adiante a tocha sonora dessa mesma tradição.
Com a mesma naturalidade que os dedos do Flávio passeiam nas teclas e baixos ou que seus braços arrastam o fole do acordeon, e com a simplicidade com que sua voz nos absorve para dentro das melodias, assim também somos guiados, sem nos darmos conta, para o paradoxo mais sutilmente abissal deste forrozeiro singular, a saber: sua música emerge das cinzas do roçado da caatinga, do mundo em preto e branco do sertão nordestino, para explodir em cores de alegria o coração cansado da minha gente gira-Sol!
Foto: Arraiá Calça-Curta 2018 em preto e branco, O Cangaceiro de Cócoras, por Jesser Oliveira
Texto: O artesão do forró na terra do girassol ??????, por Gil Guimarães